Mãe sempre sabe? Este é o título de um livro da professora e
pesquisadora Edith Modesto onde esclarece que a maioria dos pais não
percebe que seus filhos são homossexuais
e ao descobrirem passam por várias fases: de descoberta; perda;
negação; atitudes de defesa; conformação e enfim a aceitação. Durante a
descoberta enfrentam sentimentos como: frustração, tristeza, depressão,
medo, dentre outros, e mostra que o importante é buscar informação e
apoio, para que então haja o entendimento e aceitação de um filho que
permanece sendo o mesmo de antes.
“PÂMELA” (nome fictício)
Meu filho tinha 19 anos, quando certa tarde me convidou para
‘caminhar’ com ele! Sempre fomos muito companheiros e este era um
programa que fazíamos com frequência. Até então, meu filho, para mim,
era um adolescente como outros tantos de sua idade. Nunca foi de ter um
grande número de amigos, mas sempre contava com dois ou três que
frequentavam a nossa casa. Lá pelos quinze anos, era o ‘beijoqueiro’ do
Aparecida, e como toda boa mãe, quase me sentia ‘orgulhosa’ disto.
Chegou a ter duas namoradinhas, tudo passageiro, cerca de dois ou três
meses, cada uma. Eu chegava a notar que ele não se entusiasmava com
nenhuma, mas pensava que, na verdade não estava ‘apaixonado’... Por este
tempo, houve uma encrenca na escola. Teve uma excursão e voltou
furioso, havia brigado com um colega que o chamara de ‘bicha’! Chegamos
a ir na escola, ele estava muito indignado com a situação... Mas logo,
tudo seguiu como sempre fora: era um adolescente expansivo em casa,
amoroso, nunca teve qualquer trejeito que me desse qualquer indicativo
de que teria uma orientação sexual diferente. Entrou cedo e bem
qualificado na faculdade, era aplicado, e a única coisa que me
preocupava um pouco, e que me parecia ‘diferente’ dos demais de sua
idade, era sua falta de vontade de sair, ‘festiar’ como dizem os
adolescentes – quase um isolamento social que ele mesmo se impunha. Nos
finais de semana ficava em casa, adorava estar com a família, era muito
‘sossegado’!
Então, ele me convidou para a tal ‘caminhada’:
fomos, e lá pelo meio do caminho ele me falou que estava gostando de
alguém. Fiquei super feliz, e disse quando é que ele iria me apresentar a
‘namorada’! E então ele me disse: - mãe, e se fosse um namorado!? Não
sei exatamente dizer o que senti naquela hora: espanto, susto, medo???
Completamente surpresa perguntei se ele sabia exatamente o que estava
querendo me dizer, quais seriam as implicações que teria, o quanto
sofreria por conta de preconceitos, e também da própria exclusão que a
sociedade impõe aos que fazem escolhas diferentes?! Ele me disse que não
era uma escolha, mas que para ele não havia como ser diferente.
Confesso que fiquei em choque por vários meses, não contei e não
comentei com ninguém... eu precisava primeiro absorver para depois
tentar auxiliar meu filho. Foram meses de silêncios e introspecção meus,
com muitas conversas com meu filho. Perguntava e aconselhava a ele que
se fosse possível ‘escolher’ isto ou fazer diferente, que ele
tentasse... e ele me dizia que não era uma escolha... Após o primeiro
período de choque, onde é claro, me preocupava com ele, mas me
preocupava muito também com o que diriam os outros: os avós, a família,
os amigos, etc., etc.,...Teve então, um segundo período, onde então,
parei de me preocupar com os outros (e comigo?), e comecei a sofrer por
conta do que ele sofreria. Percebi o quanto esta escolha o atingiria...
Ele, cada vez mais quieto, menos amigos – a não ser dois ou três que
frequentavam a casa há longo tempo, e também algumas amigas de longa
data - não saía, não fazia festas, ficava em casa lendo, assistindo
filmes, escrevendo, e estes eram seus ‘passatempos’ fora dos estudos.
Continuava como sempre, querido, amoroso, excelente pessoa para se
conviver e se conversar – ele tinha muito conhecimento e profundidade
sobre o que falava – até por conta de seus próprios períodos de
introspecção... Conversávamos muito nós dois, e eu várias vezes disse e
reforcei: “se houver a mínima possibilidade de tu seres feliz de outra
forma, tenta”! Estava muito preocupada com o isolamento que ele mesmo se
impunha, e ele, na sua ‘calma tranquila’ me dizia: “ - mãe, já
tentei!...”
Já haviam se passado quase três anos da nossa
‘conversa’... Eu ainda não havia comentado com ninguém, quando ele me
disse que estava ‘amando’ – pela primeira vez. Via ele feliz, com ares
que se vê no rosto de todos que amam e são correspondidos.
Resolvi
então, que era a hora de eu parar de fazer de conta que nada
acontecia.... Se eu não acolhesse e não brigasse por ele, quem mais
faria isto? Meu filho tinha (tem) todas, todas as qualidades que muitas
mães fariam de tudo para verem nos seus: é respeitoso com todos, é
tolerante, é amável com a família, é honesto, nunca teve nem próximo de
drogas, bebidas ou qualquer outro vício, estuda, trabalha, é
extremamente competente, adora os irmãos, é, enfim, uma PESSOA, com
todas as qualidades que eu sonhei para ele... qual seria o motivo que
faria deixar de brigar pela sua felicidade?
Durante a minha
adolescência tive um grande amigo que era homossexual e a quem eu queria
muito bem. Nunca tive nenhum preconceito em relação a ele e na nossa
turma da época, enquanto amigo, era muito bem querido. Porém, quando foi
com meu filho, inicialmente, agi com todo o medo de alguém que teme o
preconceito.... por ele, e egoisticamente, por mim também. Até o momento
que resolvi acolher a ele – e ao seu amado, cujo pai não aceitava de
modo algum, e cuja mãe se escondia atrás de outros problemas,
escanteando o rapaz... Via o quanto aquela pessoa sofria e todas as
dificuldades que passava por conta do isolamento familiar. Resolvi,
então lutar pela aceitação incondicional do meu filho amado.
Na
família, com os amigos, conhecidos, no trabalho... nunca dei explicações
a ninguém! Passamos a viver como vivem todos os outros, e o companheiro
de meu filho nos acompanhando como acompanha o namorado de minha filha:
sem tratamento diferentes.... sem explicações... Quando se apresenta o
namorado da filha, ninguém dá explicação por ser ‘namorado’. Então,
também não dou. Assim, os que realmente importam nunca
questionaram.. e como aceitei, todos que realmente importam,
aceitaram... Alguns – pena, e pena mesmo, se afastaram... mas que fazer
com a ‘grandeza interior” de cada um... o crescimento da pessoa é
individual, então, quem, por qualquer motivo, se sentir “atingido” pela
circunstância da homosexualidade (que, afinal, é íntima, e diz respeito
somente às duas pessoas que assim de relacionam) simplesmente se afasta.
E é assim.... nos questionamos o quanto de “gente”, de “pessoa”
tem em cada um de nós? E a aceitação dos outros, com todas as diferenças
que possua, e com todos os defeitos e virtudes que alcançam seu
crescimento atual dentro da escala evolutiva humana – é que nos faz
sermos mais ou menos tolerantes.
Meu conselho para pais que se veem
na situação vivida por mim é que abracem seu filho. Não é isto que
ninguém sonha e espera.... Mas enxerguem quem ele verdadeiramente é, a
pessoa que ele é, porque, afinal, é isto que importa nesta vida..... as
preocupações: se sofrerá preconceitos e intolerâncias por parte de
alguns? Sim, sofrerá. Infelizmente, sofrerá, o que é pena.... pena dos
que ainda passam por estes sentimentos menores. Não se deixem atingir
por um fato que dirá respeito íntimo à pessoa de seu filho e aquele com
quem ele se relacionará. Abracem e acolham a ele, para que não se
perca, porque infelizmente é isto que se tem ouvido falar por aí:
quantos adolescentes e mesmo adultos não terminam nunca com esta crise
de aceitação, identidade, etc.. De quantos vocês já ouviram falar? Se
vocês, que amam de todo o coração, e que sofrem só de pensar que seu
filho possa sofrer – não o acolherem e não o aceitarem, quem o fará?
Sejam vocês os pilares de amor e aceitação, porque, afinal, pela
intolerância e preconceito decorrente da homossexualidade ninguém será
mais atingido que ele.